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quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Teatro do Negro No Brasil


O Teatro Experimental do Negro representa muito mais do que uma sociedade dramática: é o centro dum movimento para elevar o nível cultural e social do negro brasileiro. E, apesar dos seus poucos anos já tem empolgado o público com excelentes representações.
Seu fundador, Abdias do Nascimento, é um economista de 35 anos apenas. Quando lançou sua idéia, em fins de 1944, teve apoio tanto de negros como de brancos; faltava-lhes dinheiro, mas em compensação sobrava entusiasmo. Além de representar, dirigir as peças, organizar o elenco, Abdias tinha de construir e pintar cenários. Mas surgiu muita gente disposta a ajudar: funcionários públicos, artistas, datilógrafas e operários.
Começaram colaborando com o Teatro do Estudante no drama Palmares. Mas logo o Teatro Experimental estreou sozinho com uma peça que é uma verdadeira prova, tanto para os atores como para o produtor: o Imperador Jones, de Eugene O´Neill.
O desempenho, entretanto, com Aguinaldo Camargo (que é advogado e funcionário da polícia) no papel principal, surpreendeu a pequena assistência que comparecera ao Teatro Municipal do Rio no dia 8 de maio de 1945.
Ali estava o indício seguro de que os negros brasileiros tinham, de fato, talento dramático, além do desejo de expressão própria. Fora Ricardo Werneck de Aguiar, estudioso de Shakespeare, quem traduzira a peça para o português, tendo o pintor Enrico Bianco desenhado o cenário e dirigido os efeitos de luz.
No ano seguinte, foram levadas mais duas peças de O´Neill: Todos os filhos de Deus têm asas e O moleque sonhador, nas quais se destacaram de modo excepcional as atrizes Ilena Teixeira, Ruth de Souza e Marina Gonçalves.
Em 1947 o teatro de Abdias encenou uma peça escrita especialmente para ele por Lúcio Cardoso: O filho pródigo.
Há pouco tempo apresentou uma produção do novo dramaturgo Joaquim Ribeiro, intitulada Aruanda, levada à cena em dezembro passado no Teatro Ginástico do Rio.
Trata, como saberão muitos de nossos leitores, do conflito psicológico duma mulata da Bahia, que, embora não acreditando nos ritos místicos africanos de seus companheiros, se vê arrastada a louca paixão por um dos deuses que eles reverenciam.
Outras obras do repertório da companhia foram Calígula, de Albert Camus, O caminho da cruz, de Henri Gheon e Mulato, do poeta norte-americano Langston Hughes.
Tanto O´Neill como Camus cooperaram com o Teatro do Negro abrindo mão de seus direitos autorais.
E houve atores de outras companhias que tomaram parte em muitas das representações. Ana Maria, do Teatro do Estudante do Brasil, por exemplo, foi a branca Peregrina em O filho pródigo.
Os artistas que começaram no T.E.N., por sua vez, têm desempenhado papéis importantes em outros grupos.
José Monteiro, que também trabalhou em O filho pródigo, interpretou muito bem o papel do negro em A prostituta respeitosa, de Sartre, no elenco de Sandro.
Ruth de Souza já apareceu em dois filmes recentes da Atlântida; depois de desempenhar um papel de pouco destaque em Falta alguém no manicômio, conquistou lugar importante na versão cinematográfica de Terras do sem fim, de Jorge Amado.
Abdias do Nascimento, pequeno de estatura e sempre com uma expressão séria na fisionomia, é paulista da zona do café, nascido em Franca.
É filho de um sapateiro e uma costureira; quando menino, fazia entregas para um armazém ao mesmo tempo que freqüentava a escola, e depois se tornou professor rural.
Em 1930 entrou para o exército e, fiel ao seu costume de realizar duas coisas simultaneamente, iniciou seus estudos universitários.
Lá por 1940, Abdias começou a exercer empregos variados, tais como repórter de jornal, contador e gerente de banco, e chegou a viajar por quase toda a América do Sul.
Em sua opinião, conquanto haja menos preconceito contra os negros no Brasil do que na maioria dos países, eles não devem deixar de organizar-se entre si.
Acredita que os negros brasileiros precisam trabalhar juntos para elevar seu nível de cultura se quiserem ter voz ativa na vida do país. Mas Abdias faz questão de que o movimento não se prenda a nenhum partido político.
O T.E.N. manteve aulas de alfabetização, em salas cedidas pela União Nacional de Estudantes, freqüentadas por cerca de seiscentos alunos; infelizmente, quando a União necessitou suas salas, os cursos tiveram de ser interrompidos por falta de local onde funcionar.
Também foi ministrado um curso de iniciação cultural, com a colaboração dos professores José Carlos Lisboa e Maria Yeda Leite, da Universidade do Brasil; do ex-adido cultural da embaixada dos Estados Unidos, William Rex Crawford, do poeta José Francisco Coelho e do romancista Raymundo Souza Dantas.
Além disso, organizaram-se concertos e conferências. Em dezembro passado, apareceu o primeiro número do jornal Quilombo, dirigido por Abdias, e dedicado à divulgação cultural e à discussão de problemas e aspirações do negro.
As atividades teatrais do T.E.N. também têm seu lado divertido. Em meio de brincadeiras, os participantes mantêm debates diários sobre seus problemas num café atrás do Teatro Ginástico. E todos os anos há um baile para escolher a "Rainha das Mulatas" e a "Boneca de Peixe", no Botafogo e no Highlife.
As cenas aqui reproduzidas, das peças Imperador Jones e O filho pródigo, pertencem a uma coleção de fotografias do T.E.N. já exibida na Venezuela, e que será exposta ainda este ano em Washington, na União Pan-Americana, sendo depois enviada a várias outras localidades dos Estados Unidos.

artigo da Revista América de junho/julho 1949
Reproduzido do livro Teatro Experimental do Negro - Testemunhos (Rio de Janeiro: GRD, 1966), págs. 93-95.