Falar da influência africana no Brasil é comum. Quando acontece ao contrário, parece inusitado.
"Acontece que são baianos.” Assim, Gilberto Freyre descreveu os “brasileiros” do golfo do Benim, na costa ocidental da África.
País da África Ocidental, que tem como capital, a cidade de Porto-Novo. Na República do Benim se situam os antigos reinos fon do Daomé, cuja capital é Abomé, e o de Ketu, da etnia iorubá.
A eles devemos duas das principais matrizes das tradições jeje e nagô da cultura afro-brasileira.
Caminhando pelas ruas das cidades beninenses de Uidá e de Porto Novo, o visitante se depara com alguns casarões no estilo colonial brasileiro, herança dos primeiros emigrantes brasileiros que chegaram ao país.
A maioria dos casarões, no entanto, está em péssimo estado de conservação.
Os agudás, descendentes de escravos ou de mestiços brasileiros que retornaram para o Golfo do Benin a partir do século 18, também foram os primeiros no país a fabricarem móveis como mesas, sofás e cadeiras.
Muitos dos descendentes de brasileiros preservam algumas peças que possuem há mais de cem anos.
Tradição
Um exemplo é Francisca Paterson, integrante da família de Souza, que mantém em seu sobrado estilo colonial, cadeiras talhadas à mão, cristaleiras e mesas de cerca de 180 anos, herança de seus avós.
"Tentamos manter os móveis que foram confeccionados por nossos avós. Também conseguimos conservar algumas portas originais do casarão. Pena que a madeira não veio do Brasil", explica Francisca.
O sobrado onde vive a família Paterson é conhecido por todos os agudás em Porto Novo.
A construção é uma das poucas casas de dois andares da região.
A casa está catalogada como patrimônio histórico nacional e César Achille Paterson, filho de Francisca, está trabalhando em um projeto que visa restaurar os imóveis considerados históricos.
Estilo
As "casas brasileiras" chamaram logo a atenção quando começaram a ser construídas, com os cômodos mais definidos, diferentes das moradias beninenses de até então.
Construídos em sua maioria durante o século 19, os casarões até hoje são chamados de "casas brasileiras.”.
São sobrados espaçosos, como os que ainda existem em várias cidades do interior do Brasil ou mesmo em Salvador, cidade inspiradora do que eles chamam de estilo brasileiro no Benin.
A marca da nossa arquitetura está gravada na grande mesquita de Porto Novo. Construída em 1930, a mesquita mais se parece uma igreja barroca brasileira.
No momento, já existe um projeto de restauração da mesquita, tal como de outros edifícios catalogados como patrimônio histórico.
Agudás, os "brasileiros" do Benim
A antiga Costa dos Escravos, e, sobretudo o Benim, constitui, ao que parece, o único exemplo no mundo de implantação de uma cultura de origem brasileira que consegue levar vida própria e independente.
De fato, a presença brasileira foi tão forte nesta região, entre os séculos XVIII e XIX, que se poderia falar de uma espécie de colonização informal.
Foi principalmente por intermédio dos brasileiros — em consequência direta do tráfico de escravos — que esta região teve acesso, de maneira sistemática, a bens manufaturados, como armas de fogo, entre outros produtos, a construções duráveis, e a uma língua de expressão universal, entre outros exemplos.
A presença brasileira nesta região da África ganhou força a partir da construção do Forte de São João Baptista de Ajuda, em Uidá, que era ligado administrativamente ao vice-rei do Brasil, e se constituiu em ponto de apoio fundamental às atividades dos negreiros baianos lá estabelecidos.
Mas a paisagem humana da região se modificou profundamente com o retorno dos antigos escravos do Brasil, após a deportação de centenas deles que tinham participado da grande revolta havida na cidade da Bahia em 1835.
Por diferentes razões, milhares de escravos libertos no Brasil tomaram então o caminho de volta à África até o começo do nosso século.
Esses antigos escravos tinham origens diversas e se organizaram socialmente a partir da experiência vivida no Brasil, o que lhes permitiu se assimilarem aos brasileiros já estabelecidos na região.
Seus descendentes — tanto os dos brasileiros quanto os dos antigos escravos — são conhecidos até os nossos dias como os ‘brasileiros’ ou ainda como os agudás.
Celebram o Nosso Senhor do Bonfim, cantando em português, comem feijoada e dançam a burrinha, um folguedo anterior ao bumba-meu-boi.
Os agudás representam hoje cerca de cinco por cento da população do Benim, e são reconhecidos, sobretudo pelos sobrenomes de origem portuguesa, e por alguns indicadores de identidade.
Entre os mais visíveis estão a festa de Nosso Senhor do Bonfim, comemorada também em janeiro, e o folguedo da burrinha, já citados.
Estas festas permitem aos agudás explicitarem sua identidade através da representação daquilo que lhes é peculiar, como veremos nas fotos a seguir.
Desempenha também um papel importante a família de Souza, descendente do baiano Francisco Félix de Souza, que foi vice-rei de Uidá com o título de chachá, e nessa qualidade exerceu o monopólio do tráfico negreiro no antigo reino do Daomé na primeira metade do século XIX.
Atualmente apenas com funções puramente simbólicas, como próprio rei de Abomé, o oitavo sucessor de Francisco Félix de Souza ainda é uma das personalidades mais importantes do país, e uma referência para a comunidade ‘brasileira’ do Benim.