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sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Acudindo o transe- povo Amhara da Etiópia

O sacerdote Aba Wolde ampara uma jovem possuída por um espirito Zar.


Cerimonia Zar 


Cada mulher é movida pela pulsação do tambor. 
O movimento das mulheres vai crescendo em intensidade e velocidade, seus olhos meio fechados, parecem não notar nada ao seu redor, abandonando completamente a si mesma para a dança. 
Seus movimentos fluem livremente de dentro para fora, ganhando força e velocidade à medida que ela completava o círculo ao redor do altar imponente onde os ajudantes estavam... “até que, finalmente, joga seus braços para cima e esta prestes a cair, mas a Kodia a guiou para o chão...” (descrição de uma cerimônia de Zar egípcia).
Fumar, dançar ousadamente, se soltar, arrotar e soluçar, beber sangue e álcool, vestir roupas masculinas, ameaçar homens publicamente com espadas, falando alto sem pensar em etiqueta... 
Esses dificilmente seriam comportamentos das mulheres Hofriyati, para quem dignidade e justeza são valores importantes. Mas no contexto do Zar são comuns e esperados.
O drama de uma cerimônia de zar cativa nossa imaginação rapidinho, mas é preciso lembrar que funciona, pois atua dentro de um cenário cultural específico, com requerimentos muito específicos. 
Como um culto, os grupos de Zar têm um líder e os membros devem ir a seções regularmente. Pode haver rituais de zar públicos ou privados; em um ritual privado apenas os familiares próximos podem estar envolvidos.
A líder pode ser chamada de "Kodia" (Egito), Shaykha (Sudão) ou "Umiya" (Sudão), dependendo da região. A própria líder é possuída. 
Ela tem que entrar em acordo com seu "Jinn" ou espírito para estar pronta a ajudar os outros. 
A liderança é normalmente passada de mãe para filha ou por membros femininos da família. 
Homens não podem herdar a possessão, mas podem reivindicar terem sido "chamados".
O zar egípcio é normalmente feito num quarto amplo com um altar. Em qualquer país, é importante que o espaço de uso doméstico seja separado do espaço sagrado, ou do lugar de sacrifício para o zar. 
O altar é coberto com um pano branco e empilhado de castanhas e frutas secas. A Kodia e seus músicos ocupam um lado do quarto, e os participantes o resto dele. 
Os convidados devem contribuir com uma quantia de dinheiro de acordo com sua posição. Ter uma cerimônia de zar pode ser muito lucrativo, mas entende-se que o líder de zar é alguém a quem as mulheres podem recorrer em tempos de necessidade - assim ele serve também como uma sociedade solidária na qual os membros tanto dão como recebem ajuda.
A mulher para quem o zar é preparado pode vestir-se de branco, geralmente uma galabiya de homem, ou saia. Ela usa henna nas mãos e corpo, e kohl nos olhos. Ela também pode ser fortemente perfumada, como os convidados. 
Perfumes (especialmente olíbano) são as oferendas mais comuns aos espíritos do zar. No começo das cerimônias, passa-se um turíbulo entre os convidados, para purificarem seus corpos.
Espera-se que a Kodia seja uma cantora treinada, que conheça as músicas e ritmos de cada espírito. Ao cantar a música de um espírito e observar as reações, ela pode diagnosticar que tipo de espírito baixou e como "tratá-lo". 
Os instrumentos musicais usados são o tar, um tipo de pandeiro, e a tabla. O número de "ajudantes" vai de 3 a 6; eles dão o apoio rítmico. Durante as cerimônias de zar, os vários espíritos são invocados por sua própria batida de tambor característica (ou "linha"). A Kodia também tem um acervo de roupas, que passa ao possuído a fim de acomodá-lo.
Se o sacrifício animal é usado, deve ser com uma galinha, pombo, ovelha, ou até mesmo um camelo, se a mulher for rica. 
Em todo caso, prover algum tipo de comida ou refeição é parte essencial da cerimônia. Dizem que os espíritos etíopes gostam de café.
Espíritos não mulçumanos podem exigir bebidas alcoólicas, enquanto espíritos femininos podem preferir bebidas doces, como refrigerante. 
No Sudão, nas áreas onde sacrifício animal é considerado necessário, o restabelecimento do paciente não é considerado completo até que a refeição do sacrifício é consumida na noite final. 
Ela geralmente consiste em carne, pão, arroz e caldos.
O Zar não é um "exorcismo", como geralmente as pessoas o descrevem, porque o espírito é acomodado e conciliado; ele não é exorcizado. 
À paciente é aconselhado "ser continuamente atenciosa com seus espíritos, fazer as tarefas diárias que eles requerem evitar poeira, e fugir de emoções negativas". 
Falhar nisso pode resultar numa recaída. O fato de esse conselho ser válido para mulheres ocidentais modernas comprova a natureza tão prática da experiência do zar.
Apesar do Zar, uma cerimônia de transe do Norte da África e Oriente médio, ser tecnicamente proibido pelo Islã, ele continua a ser parte essencial dessas culturas.
O Zar é mais bem descrito como um "culto de cura" que usa tambores e dança em suas cerimônias. Também funciona como um compartilhamento de conhecimento e solidariedade social entre as mulheres dessas culturas tão patriarcais. 
A maioria de líderes de Zar são mulheres, e a maioria de participantes também. 
Muitos escritores notaram que enquanto a maioria dos espíritos possuidores é masculina, as possuídas são geralmente mulheres. 
Isso não quer dizer que os homens não contribuem para as cerimônias de zar: eles podem ajudar com os tambores, na matança dos animais rituais, ou podem eles mesmos ser um marido ou parente requisitado para fazer oferendas ao espírito possuidor. 
De fato, é talvez uma tendência triste que, em culturas onde o zar é mais visível, haja uma tendência maior de os homens co-participar das cerimônias, e se tornarem líderes de zar.
As cerimônias Zar se estabeleceram no Sudão nos anos 1820. Foram ilegalizadas pela lei de Shari'a em 1983, mas, ao invés de diminuir, parecem ter aumentado. 
Elas dão às mulheres uma forma única de consolo em sociedades patriarcais rígidas. 
O próprio Islã sempre acreditou na existência de "espíritos", que eles chamam de "jin". 
Além disso, o zar foi oficialmente banido do Sudão desde 1992, mas os tambores ainda soam - possivelmente, devido ao suporte de esposas de homens influentes.
A possessão no zar é normalmente herdada. É também 'contagiosa' e pode vir a qualquer hora.
O zar é basicamente uma dança de espíritos, ou dança religiosa, resquício das antigas deidades africanas, uma variante do que aqui no ocidente chamamos de "vodu". 
As antigas deidades africanas são chefiadas por duas figuras: Azuzar (o masculino, assoc. a Osíris) e Ausitu (o feminino, assoc. a Isis).
Ausitu é ainda celebrada e presenteada com oferendas por mulheres grávidas para que lhes dê um parto seguro. Ele o descreve como uma dança ritual que é mais observada por mulheres, especialmente mais velhas. 
Isso corresponde à prática das religiões africanas mais antigas, onde as mulheres mais velhas eram as sacerdotisas. 
Mulheres mais jovens, especialmente não casadas, não são tidas como merecedoras da visita do espírito de Zar, que escolhe a residência na pessoa que quiser.


Foto de Carol Beckwith e Angela Fisher


As fotógrafas Beckwith e Fisher realizaram um autêntico trabalho antropológico durante os trinta anos que levaram fotografando as cerimônias da África. 
Aproveitando a desvantagem aparente de sua condição feminina e graças à sua adversidade, conseguiram ganhar a confiança dos homens e mulheres das diversas tribos que visitaram, aceitando registrar sua vida cotidiana e seu mundo espiritual de uma maneira que nenhum homem conseguiu antes.