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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Ewe Orisa - O uso das folhas no candomblé

Do mesmo modo como no oráculo de Ifá, os signos geomânticos (Odù) são organizados dentro de um sistema classificatório; no culto a Osanyin, os vegetais, também, estão inseridos nesse sistema.
A relação folha/orixá se evidencia com a existência de quatro compartimentos estruturados a partir de uma concepção de categorias lógicas e ordenadas segundo a visão de mundo dos jêje - nagôs.
Sendo os Òrìsàs representações vivas das forças que regem a natureza, as folhas a eles atribuídas, no contexto litúrgico, associam-se, consequentemente, a esses elementos.
Barros (1993:60), estudando essas classificações, verificou que:
"Os vegetais estão dispostos em quatro compartimentos-base diretamente relacionados aos quatro elementos;
ewé afééfé - folhas de ar (vento)
ewé inón - folhas do fogo
ewé omi, - folha de água
Ilé ou ewé igbó - folhas da terra ou floresta
“Nestes quatro compartimentos-base, concentram-se o panteão jêje - nagô”.
Genericamente, vamos encontrar
Exu e Xangô participando do compartimento Fogo
Ogun, Oxossi, Ossain e Obaluaye ligados ao elemento Terra
Iemanjá, Oxum, Obá, Nanã e Yewá associadas as Águas, e
Oxalá e Oyá ao Ar.
Todavia, ao particularizarmos veremos que alguns Òrìsàs como Logunede e Oxumare, considerados "Meta-Meta", estarão vinculados a mais de um desses compartimentos.
Exu está ligado com predominância ao elemento Fogo, porém, como "cada Òrìsà possui seu Exu, com o qual ele constitui uma unidade" (Santos, 1976:131), este compartilhará do mesmo elemento ao qual o Òrìsà está associado.
Assim, os Exus das Iabás estarão ligados também, ao elemento Água, os de Ogum e Oxóssi ao compartimento Terra, e assim ocorrendo com os demais Exus.
Ogum atua predominantemente com no compartimento Terra. Todavia, na qualidade Warin, encontramos um Ogum que habita nas águas, pois segundos os mitos ele vive no Rio com Oxum; consequentemente, estará, também, ligado ao compartimento Água.
Já Ogun Àgbèdè Òrun, (Ferreiro do céu), se liga, também, ao elemento Ar, juntamente com Oxalá.
Oxóssi é ligado à Terra; mas, nas suas variáveis, encontramos Inlè, modalidade deste Òrìsà que, como Logunede, está associado tanto ao compartimento Água quanto ao Terra; entretanto, para maioria das outras qualidades de Oxóssi predominam o elemento Terra.
Obaluaye, sendo um Òrìsà da Terra (Oba = Rei, Aye = Terra), mas que se relaciona com a febre e o sol do meio-dia está ligado, igualmente, os compartimentos Terra e Fogo. Em algumas ocasiões ele recebe o título de: "Baba Igbonan = Pai da quentura" (Santos 1976:78). Título que é dado também a uma qualidade de Xangô Airá, considerado dono do fogo e cultuado numa fogueira.
Ossaim, por ser patrono dos vegetais, automaticamente, está ligado a todos os elementos da natureza; todavia, seu compartimento principal é o Terra, representado pelas florestas onde nasceu todos os vegetais.
Oxumare é representado pelo arco-íris que se projeta nas águas em direção ao céu. Liga-se, simultaneamente, aos compartimentos água e ar. Pode ser irmão de Obaluaye, algumas vezes se relaciona, também, com o elemento Terra.
Nana, a iaba que é representada pela chuva fertilizando a terra (lama), tem como compartimento base a Água, mas, também, a Terra.
Oiá, em um de seus diversos aspectos, é cultuada no rio Níger, na África, o que realça suas características de "deusa da fertilidade" ligada ao compartimento Água, bem como á responsável pelos coriscos, tempestades e ventanias, fato que a associa tanto ao elemento Ar quanto ao elemento Fogo.
Sob a denominação de "Oya Igbale, Orisá patrono dos mortos e dos ancestrais” (Santos 1976:58), participa, também do elemento Terra.
Xangô está associado, predominantemente, ao elemento Fogo, enquanto que Iroko, entidade fitomórfica cultuada em uma árvore, embora possua muita afinidade com o primeiro, está ligado ao elemento Terra.
Oxum, Iemanjá e Oba são iabas ligadas, especificamente, ao elemento Água; porém, alguns de seus aspectos poderão ligá-las aos demais compartimentos base.
Oxalá esta ligado, com predominância, ao compartimento Ar. Todavia, Santos (1976:59) diz que "Oxalá está associado à Água e ao Ar, Odudua está associado à Água e a Terra". Assim como Odudua, Orixá Okó também é um Orixá funfun (original) e, segundo os mitos, é considerado o patrono da agricultura, possuindo estreita ligação com a Terra.
Nesta visão do mundo Jeje-nago, direito/masculino/positivo são opostos a esquerdo/feminino/negativo, ou seja, o masculino é positivo e se posiciona do lado direito, enquanto o feminino é negativo e se posiciona do lado esquerdo.
Neste contexto os compartimentos que contêm as ewé inón (folhas do fogo) e ewé afééfé (folhas do ar) estão associadas ao masculino, elementos fecundantes,
enquanto que as ewé omi (folhas da água) e as ewé ilè (folhas da terra) se ligam ao feminino, elementos fecundáveis.
Ao determinar que as folhas são separadas por pares opostos:

gún (de excitação)
èrò (de calma),
ewé apa otun (folhas da direita)
ewé apa osi (folhas da esquerda),

os Jeje-nago tomam como modelo um sistema da classificação baseada em posições binárias.
Todavia, essa não é uma condição sine qua non quando analisamos mais detalhadamente a utilização dos vegetais, pois percebemos que algumas folhas positivas se relacionam com o lado esquerdo ou feminino e vice-versa, daí encontrarmos folhas femininas usadas com fins positivos, e folhas masculinas consideradas negativas.
Verger (1995:25) cita, por exemplo, "que entre as folhas há quatro conhecidas como (...) as quatro folhas masculinas (por seu trabalho maléfico)...;
e quatro tidas como antídotos... "Entre estas últimas ele inclui o òdúndún (Kalanchoe crenata), que é uma folha feminina, porém positiva, o que nos faz crer que as diversas condições binárias não interagem de modo rígido entre si, pois, como vimos, uma folha masculina pode estar situada junto aos elementos da esquerda por ser considerada negativa.
No sistema de classificação dos vegetais, a condição para que uma folha seja masculina ou feminina é o seu formato, pois, na concepção Jeje-nago, a forma fálica (alongada) caracteriza o elemento masculino, em contrapartida, a forma uterina (arredondada) determina o elemento feminino.
Essa convenção é adotada, tanto com relação às folhas, quanto aos jogos divinatórios que tiveram origem a partir do oráculo de Ifá, onde, dos dezesseis cauris usados, oito são de forma alongada e considerados masculinos, e os femininos são os oito restantes que possuem forma arredondada.
"Por conseguinte, Macho/Fêmea formam um par de oposição básico no que se refere às espécies vegetais, e está diretamente relacionado ao Òrìsà" (Barros 1993:63).
As folhas consideradas masculinas estão associadas aos oborós (orixás masculinos), bem como as femininas pertencem às Iabas (orixás femininos);
todavia, eventualmente encontraremos algumas folhas femininas associadas aos oborós e algumas masculinas atribuídas às iabas, o que parece refletir uma bipolaridade característica de alguns orixás.
Quando utilizamos nos rituais de iniciação ou nos trabalhos litúrgicos, os vegetais classificados como èrò tem a função de abrandar o transe, apaziguar o orixá ou acalmar o iniciado;
contrariamente, os considerados gún servem para facilitar a possessão e excitar o orixá.
Dentro de sua complexidade, o sistema de classificação dos vegetais é coerente com a visão de ordenação do mundo;
desse modo, os vegetais vão além de suas utilidades práticas, pois "estão diretamente relacionados a uma cosmovisão específica e são constituintes de um modelo que ordena a classifica o universo, definindo a posição do indivíduo na ordem cosmológica" Barros 1993:93).

Ewe Orisa
Uso litúrgico e terapêutico dos vegetais nas casas de candomblé
José Flavio Pessoa de e Eduardo Napoleão