Maracatu é uma manifestação cultural da música folclórica
pernambucana afro-brasileira. É formada por uma orquestra de percussão que
acompanha um cortejo real. Como a maioria das manifestações populares do
Brasil, é uma mistura das culturas indígena, africana e europeia. Surgiu em
meados do século XVIII.
Para ordenar a administração dos negros trazidos como
escravos para o Brasil a partir de 1538, os colonizadores portugueses incentivaram
a instituição de reis e rainhas negros protegidos pelas irmandades de N.S. do
Rosário e São Benedito.
Os préstitos de coroação deram origem aos folguedos musicais
do maracatu, informa o historiador Leonardo Dantas Silva em seu ensaio
Maracatu:
Presença da África no carnaval do Recife, publicado em 1988
pelo Centro de Estudos Folclóricos da Fundação Joaquim Nabuco.
O desaparecimento da instituição do rei do Congo (Muchino
Riá Congo) com a abolição da escravatura levou o maracatu a desfilar seus batuques
e danças nos dias dos Santos Reis, nas festas de Nossa Senhora do Rosário e no
carnaval.
O historiador Pereira da Costa - Folclore pernambucano,
Recife 1908- citado por Dantas Silva, descreve a suntuosidade das seculares
nações do maracatu como a Cambinda Velha, que antecipa o luxo das escolas de
samba:
"O estandarte de veludo era bordado a ouro como as
vestes dos reis e dignitários da corte, todos de luva de pelica branca e finos
calçados".
Nas sedes das agremiações como Nação Elefante (de 1800), Leão
Coroado (1863), Estrela Brilhante (1910), Indiano (1949) e Cambinda Estrela
(1953) havia até trono com dossel para assento dos monarcas.
Através de pesquisas de campo realizadas entre 1949 e 1952
reunidas no livro Maracatus do Recife (Irmãos Vitale, 2ª edição, 1980) o
maestro Guerra-Peixe decupou as camadas da percussão do setor:
"o tarol anuncia levemente um ritmo rufado, intercalado
de pausas. Quase no mesmo instante, o gonguê (agogô) entra na cadência
antecedendo as caixas de guerra. O tarol já passou do esquema inicial às
variações quando entram os zabumbas.
O marcante acrescenta espaçados e violentos baques (sinônimo
de toques, daí o baque solto e baque virado).
O meião segue o toque do marcante e por fim os repiques
aumentam a intensidade do conjunto".
Esta cadência, da qual se aproxima o coco alagoano, sempre
fascinou tanto compositores eruditos como Guerra Peixe e Marlos Nobre quanto os
autores populares conterrâneos como o frevista Capiba (Maracatu Elefante, Cadê
os Guerreiros, É de Tororó), Irmãos Valença e o poeta Ascenso Ferreira, além de
recriadores do folclore como a paulista Inezita Barroso e o armorial Antônio
Nóbrega.
Marcas na MPB
Numa breve estadia no Recife, o baiano Dorival Caymmi, em
1945, criou o épico Dora ("rainha do frevo e do maracatu/ ninguém requebra
nem dança melhor do que tu").
Os Trigêmeos Vocalistas, um dos inúmeros grupos vocais dos
anos 40/50 também gravaram maracatus como o sambista carioca Jamelão.
Ao lançar-se em pleno bunker da bossa nova, o Beco das
Garrafas, em 1963 o carioca Jorge Ben no abre-alas Mas Que Nada cantava seu
samba "misto de maracatu", um samba de preto (ban) tu.
Em 1973, Gilberto Gil estourou nas paradas com o single
Maracatu Atômico, da dupla Jorge Mautner e Nelson Jacobina.
Da geração 70 dos nordestinos emigrados para o sul, Alceu
Valença foi o que mais utilizou o gênero puro ou estilizado.
Em Cavalo de Pau (1982) musicou o poema Maracatu
("zabumbas de bombos/ estouros de bombas/ batuques de ingonos/ cantigas de
banzo/ ranger de ganzás") de Ascenso Ferreira e chegou a denominar um de
seus discos Maracatus, Batuques e Ladeiras (1994).
O gênero transfigurado por Egberto Gismonti em Maracatu,
incluído em seu disco Alma (1986) e nas miscigenações do armorial de vanguarda
Antúlio Madureira (Maracatu Indiano) mereceu abordagem quase didática da dupla
pernambucana Lenine e Lula Queiroga no LP Baque Solto (1983).
Mas foi com o movimento mangue beat â uma busca de
revitalizar as raízes locais através da ótica eletrônica â que Chico Science
& Nação Zumbi colocaram o estilo no centro do palco.
Até o ancestral maracatu rural dos cortadores de cana voltou
ao foco reunindo 75 grupos na cidade Tabajara, em Olinda no carnaval de 2000.
No ano anterior, o fotógrafo Pedro Ribeiro e a professora
Maria Lúcia Montes, da USP, estudaram as agremiações formadas por lanceiros,
calungas, tuxaus (referência aos pajés, com cocares) e baianas no livro
Maracatu de baque solto (Editora Quatro Imagens).
Grupos como o ortodoxo Maracatu Nação Pernambuco, gravado em
CD pela Velas em 1993, pelo produtor J.C. Botezelli, o Pelão e o progressivo
Mestre Ambrósio, propagam o maracatu.
A invenção dos escravos â que tiveram um "governador
dos crioulos, negros e mulatos", Henrique Dias, nomeado em 1639, pelos
portugueses â hoje pontua da muralha percussiva do carioca Pedro Luís e a
Parede aos sobrevoos eletrônicos de Lenine.
Texto de Tárik de Souza