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domingo, 26 de fevereiro de 2012

Tia Ciata - Raizes do samba


No futuro, quando se fizer uma história do Brasil honesta e sincera, é que se poderá dar o valor devido à etnia negra na formação do povo brasileiro, principalmente na constituição de seu perfil cultural, afetivo, psicológico e sociológico.
Ainda está por ser feito o inventário da contribuição do negro na formação do povo brasileiro. Muitos nomes de negros valorosos haverão que ser lembrados, na constituição dos vários segmentos da cultura brasileira.
Dentre estes ninguém poderá olvidar o nome de uma valorosa mulher negra da maior envergadura que muito contribuiu para as origens de uma das nossas mais ricas formas de manifestação cultural, que é a música brasileira.
Estamos nos referindo a tia Ciata, de nome Hilária Batista de Almeida, figura de proa da comunidade negra que aparece em todos os relatos que dão conta do surgimento do samba carioca e dos ranchos, cuja lembrança permaneceu cultivada sempre com muito carinho pelo coração dos negros antigos da cidade do Rio de Janeiro.
Se o samba fosse alguém de carne e osso, haveria muita gente querendo submetê-lo ao teste de DNA de algum programa popular.
Não é sobre sua paternidade que andam pairando as dúvidas. O que se discute é de que ventre ele saiu.
A versão oficial de historiadores e pesquisadores de música brasileira é de que ele nasceu no Estácio, mais precisamente, na casa da baiana Hilária Batista de Almeida, a célebre Tia Ciata, em 1910.
Essa versão dos fatos tem uma informação incontestável: a de que Tia Ciata foi a parteira do ritmo.
Ha outra versão que afirma ter sido na Penha que ele “nasceu, deu seus primeiros passos e venceu o preconceito da época contra o samba e contra o negro.”
Os partidários dessa hipótese argumentam que antes de 1910, havia no bairro o Arraial da Penha, que reunia ex-escravos do “Quilombo da Penha” (criado pelo capelão abolicionista Padre Ricardo), e tias baianas (entre as quais se destacava Tia Ciata).
Ao redor da barraca de Ciata, dizem, músicos amigos como Heitor dos Prazeres, Donga, Sinhô, Pixinguinha entre outros ilustres desconhecidos, formavam rodas de Samba.
É difícil não se comover, ainda hoje, com a ala das baianas nos desfiles das escolas de samba.
Todo ano estão lá emanando energia, emoção e sabedoria.
Talvez em memória à Tia Ciata e às tias baianas que fizeram a história da pequena África, reduto baiano do centro do Rio de Janeiro.
Elas foram responsáveis pela permanência das tradições africanas e pela sua expansão e revitalização na cidade.
No século XIX, com o desenvolvimento da cultura do café no Sudeste, se manteria o fluxo escravagista para o Rio de Janeiro, e muitos negros viriam do Nordeste para as plantações do vale do Paraíba como para trabalhar no interior paulista.
A Abolição engrossa o fluxo de baianos para o Rio de Janeiro, liberando os que se mantinham em Salvador em virtude de laços com escravos, fundando-se praticamente uma pequena diáspora baiana na capital do país, gente que terminaria por se identificar com a nova cidade onde nascem seus descendentes, e que, naqueles tempos de transição, desempenharia notável papel na reorganização do Rio de Janeiro popular, subalterno, em volta do cais e nas velhas casas do Centro.”
Quase em paralelo com a chegada dos iorubanos, se instalaram na mesma região os ex-combatentes da recém-terminada campanha de Canudos.
Cerca de 10 mil soldados vieram para o Rio de Janeiro, sendo que muitos deles voltaram casados com mulheres baianas, com a promessa do Governo de ganhar casas na então capital federal e acabaram se instalando em caráter “provisório” nas encostas Morro da Providência, próximo desses bairros portuários e também da sede do então Ministério da Guerra.
Como as casas prometidas nunca saíram do papel, pelo Morro da Providência acabaram mesmo ficando.
Formaram ali uma comunidade que eles próprios denominaram de “favela”, referência a um morro que ficava nas proximidades de Canudos e que serviu de base e acampamento para os soldados republicanos. Com o passar do tempo, a expressão “favela” acabou virando sinônimo de construções irregulares das classes menos favorecidas.
O grupo baiano iria situar-se na parte da cidade onde a moradia era mais barata, na Saúde, perto do cais do porto, onde os homens, como trabalhadores braçais, buscam vagas na estiva.
Com a brusca mudança no meio negro ocasionada pela Abolição, que extingue as organizações de nação ainda existentes no Rio de Janeiro, o grupo baiano seria uma nova liderança.
A vivência de muitos como alforriados em Salvador ­ de onde trouxeram o aprendizado de ofícios urbanos, e às vezes algum dinheiro poupado ­, e a experiência de liderança de muitos de seus membros ­ em candomblés, irmandades, nas juntas ou na organização de grupos festeiros ­, seriam a garantia do negro no Rio de Janeiro.
Com os anos, a partir deles apareceriam as novas sínteses dessa cultura negra do Rio de Janeiro, uma das principais referências civilizatórias da cultura nacional moderna
A casa de João Alabá, de Omulu, dava continuidade a um candomblé nagô que havia sido iniciado na Saúde, talvez o primeiro do Rio de Janeiro, por Quimbambochê, ou Bambochê Obiticô..., africano que chega a Salvador num negreiro na metade do século XIX, junto com a avó da babalorixá Senhora, onde se torna, depois de alforriado por sua irmã de nação Marcelina, um influente babalaô.
A baiana Bebiana, irmã de santo da grande Ciata de Oxum, é figura central da primeira fase dos ranchos cariocas, ainda ligada ao ciclo do Natal, guardando em sua casa, no antigo largo de São Domingos, a lapinha, em frente à qual os cortejos iam evoluir no dia de Reis.
Entre as tias baianas que emigraram com tia Ciata, destacam-se tia Amélia (mãe de Donga), tia Presciliana de Santo Amaro (mãe de João da Baiana), tia Veridiana (mãe de Chico da Baiana)..
Tia Bebiana e suas irmãs-de-santo, Mônica, Carmem do Xibuca, Ciata, Perciliana, Amélia e outras, que pertenciam ao terreiro de João Alabá, formam um dos núcleos principais de organização e influência sobre a comunidade.
A mais famosa de todas as baianas, a mais influente, foi Hilária Batista de Almeida, Tia Ciata, relembrada em todos os relatos do surgimento do samba carioca e dos ranchos...” (pág. 96) Tia Ciata, a mais famosa de todas, logo instalou-se num sobrado da rua Visconde de Itaúna, nº 117, em frente ao Colégio Pedro II, onde fundou uma casa comercial para vender quitutes baianos e cultivar o jogo.
Tia Ciata era uma antiga sócia fundadora da irmandade da boa morte.

Hilária Batista de Almeida , Tia Ciata

A mais famosa das tias baianas do início do século, que eram negras baianas vindas para o Rio de Janeiro especialmente na última década do século 19 e na primeira do século 20 para morar na região da Cidade Nova, do Catumbi, Gamboa, Santo Cristo e arredores.
Era na casa dessas "tias" que se reuniam os compositores e malandros, como Donga, Sinhô e João da Baiana, para saraus musicais regados a muita bebida e tira-gostos.
A hospitalidade das baianas fornecia a base para que os compositores pudessem desenvolver o samba. A casa da Tia Ciata na Praça Onze era tradicional ponto de encontro de personagens do samba carioca, tanto que nos primeiros anos de desfile das escolas de samba, era "obrigatório" passar diante de sua casa.
Cozinheira. Mãe de santo. Animadora cultural. Dona da casa onde se reuniam sambistas e onde foi criado o primeiro samba gravado em disco, "Pelo Telefone", assinado por Donga e Mauro de Almeida.
“A casa da Tia Ciata se torna a capital dessa Pequena África no Rio de Janeiro.
Assim, esse grupo baiano se constituía numa elite nessa comunidade popular que se desloca do Centro para suas imediações, forçada a se reestruturar a partir das grandes transformações nacionais e da reforma da cidade, referências de um grupo heterogêneo e caótico onde se preservam e se misturam essas maiorias e minorias étnicas nacionais e estrangeiras.
Principalmente entre os negros, os africanos e os baianos da nação iorubá, garantidos por suas tradições civilizatórias e coesos pelo culto do candomblé, eram considerados uma gente distinta, a cujas festas não era qualquer ‘pé-rapado’ que tinha acesso, e cujas cerimônias eram vedadas aos de fora.
Há controvérsias sobre a data de nascimento de Tia Ciata. Alguns pesquisadores afirmam que a data correta é : 23/4/1854. Tia Ciata (seu nome é encontrado também grafado como Siata, Aciata, Assiata ou Asseata) chegou ao Rio de Janeiro em 1876, aos 22 anos, indo residir inicialmente na Rua General Câmara.
Em seguida, residiu na Rua da Alfândega e depois na Rua Visconde de Itaúna (próxima à Praça Onze). Tia Ciata tirava seu sustento da cozinha típica baiana.
Ela vendia quitutes em seu tabuleiro entre as ruas Uruguaiana e Sete de Setembro, e também no Largo da Carioca. Logo se destacou entre as baianas festeiras introdutoras da dança do sombra no Rio de Janeiro, e passou a promover sessões de samba em sua casa, na qualidade de Batalaô-omin.
Realizava igualmente rituais de culto aos seus orixás africanos.
Na sala da casa de Tia Ciata, o baile onde se tocavam os sambas de partido entre os mais velhos, e mesmo música instrumental quando apareciam os músicos profissionais, muitos da primeira geração dos filhos dos baianos, que freqüentavam a casa.
Alguns dos principais nomes da história da música brasileira se reuniam na casa de Tia Ciata. Suas reuniões foram perseguidas pelo chefe de polícia da capital durante o governo de Vencesláu Brás
No terreiro, o samba raiado e às vezes as rodas de batuque entre os mais moços.
As grandes figuras do mundo musical carioca, Pixinguinha, Donga (filho de mãe baiana), João da Baiana (idem), Heitor dos Prazeres (também filho de mãe baiana), surgem ainda crianças naquelas rodas onde aprendem as tradições musicais baianas a que depois dariam uma forma nova, carioca.” (pág. 103)As grandes figuras do mundo musical carioca, Pixinguinha, Donga (filho de mãe baiana), João da Baiana (idem), Heitor dos Prazeres (também filho de mãe baiana), surgem ainda crianças naquelas rodas onde aprendem as tradições musicais baianas a que depois dariam uma forma nova, carioca.
Casada com João Batista da Silva, um negro também baiano que havia cursado - sem concluir - medicina em Salvador e ocupava bons empregos no Rio, por conta de seu preparo, Ciata reinava absoluta no casarão da rua Visconde de Itaúna onde segundo Pixinguinha "tocava-se choro na sala e samba no quintal". Tal divisão era explicada pelo fato de ser o choro tolerado pela polícia, enquanto o samba era considerado coisa de marginais e perseguido. Como a posição social dos donos da casa estava acima do habitual, gozando de certo prestígio perante as autoridades, usava-se o disfarce do choro na sala da frente e sambava-se à vontade no quintal sem que a polícia batesse à porta.
Mãe-de-santo afamada, Tia Ciata festejava seus orixás, sendo famosas suas festas de São Cosme e Damião e de sua Oxum, Nossa Senhora da Conceição. Nas festas profanas suas habilidades de partideira a destacavam nas rodas de partido-alto, e seu neto Bucy Moreira aprendeu com ela o segredo do "miudinho", uma forma de sambar de pés juntos que exige destreza e elegância, no qual Ciata era mestra.
Além de cozinheira perfeita, a baiana tinha mão abençoada para doces, no testemunhar de quantos os saborearam.
Vestida de baiana, também os comercializava pelas ruas do Rio de Janeiro e com tino comercial alugava roupas de baiana para outras vendedoras, chegando a manter uma equipe só sua de ambulantes nas ruas.
Já viúva, reverenciada como rainha (no Carnaval os ranchos desfilavam sob sua janela), figura exponencial da Festa da Penha, faleceu em 1924 cercada do respeito de pessoas de todas as camadas sociais da cidade.

A Praça Onze

Vão acabar com a Praça Onze
não vai haver mais escola de samba não vai
Guardai os vossos pandeiros guardai
Porque a escola de samba não sai

A Praça Onze está situada na cidade do Rio de Janeiro, delimitada pelas ruas de Santana (a leste), Marquês de Pombal (a oeste), Senador Euzébio (ao norte) e Visconde de Itaúna (ao sul), a Praça Onze existiu por mais de 150 anos.
A princípio denominada Rocio Pequeno, depois Praça Onze de Junho (data da Batalha de Riachuelo), tornou-se, nas primeiras décadas do século XX, o local mais cosmopolita do Rio de Janeiro.
Em suas redondezas misturaram-se imigrantes espanhóis, italianos e judeus de várias procedências com milhares de negros, na maioria oriundos da Bahia.
E foram os negros que transformaram a Praça Onze em reduto de sambistas, as famosas tias baianas, como Tia Ciata, que até hoje são lembradas nos desfiles das escolas de samba, representado pela ala das baianas, quesito obrigatório nos desfiles. A praça Onze foi o primeiro espaço para os desfiles das primeiras escolas de samba.
O progresso do período pós-guerra trouxe a modernização do centro da cidade e, para desespero dos sambistas, em 1941, quando a prefeitura começou as demolições para a abertura da Avenida Presidente Vargas, que extinguiria a praça, Grande Otelo teve a idéia de protestar em ritmo de samba.
Ótimo ator, mas letrista medíocre, ele escreveria uma versalhada sobre o assunto, que mostrou aos compositores Max Bulhões, Wilson Batista e Herivelto Martins, sem lhes despertar o menor interesse. Mas Otelo era teimoso e Herivelto, para se livrar dele, compôs o samba em que aproveitou a idéia, desprezando os versos.
Diga-se de passagem, que na época os dois trabalhavam nos cassinos da Urca e de Icaraí, atravessando todas as noites a Baía de Guanabara, numa lancha que fazia a ligação entre as duas casas. Foi numa dessas travessias que Herivelto começou a escrever "Praça Onze".
Acontece que a composição – anunciando o fim da praça e dos desfiles e, de uma maneira comovente, exortando os sambistas a guardarem os seus pandeiros - superou as expectativas do autor, sugerindo-lhe uma gravação diferente, em que se reproduzisse o clima de uma escola de samba.
E assim ele fez, tendo a novidade se tornado padrão para a execução de sambas do gênero.
Além do canto, no estilo "empolgação", a cargo do Trio de Ouro reforçado por Castro Barbosa, foi primordial para que se estabelecesse tal clima o uso destacado de três elementos rítmicos - o tamborim, o apito e o surdo.
Até então, o apito era usado nas escolas de samba somente como elemento sinalizador, para comandar o desfile. Sua função rítmica, sibilando em tempo de samba, foi uma invenção de Herivelto, lançada nesta gravação.
Por tudo isso, "Praça Onze" alcançou extraordinário sucesso, ganhando, ao lado de "Ai Que Saudades da Amélia", o concurso de sambas promovido pelo Fluminense.