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segunda-feira, 14 de maio de 2012

No mundo dos feitiços

As Religiões no Rio - João do Rio

Os feiticeiros 
Antônio é como aqueles adolescentes africanos de que fala o escritor inglês.
Os adolescentes sabiam dos deuses católicos e dos seus próprios deuses, mas só veneravam o uísque e o schilling.
Antônio conhece muito bem N. S.ª das Dores, está familiarizado com os orixalás da África, mas só respeita o papel-moeda e o vinho do Porto. Graças a esses dois poderosos agentes, gozei da intimidade de Antônio, negro inteligente e vivaz; graças a Antônio, conheci as casas das ruas de São Diogo, Barão de S. Felix, Hospício, Núncio e da América, onde se realizam os candomblés e vivem os pais-de-santo.
E rendi graças a Deus, porque não há decerto, em toda a cidade, meio tão interessante.
Vai V.S. admirar muita coisa! - dizia Antônio a sorrir; e dizia a verdade.
Da grande quantidade de escravos africanos vindos para o Rio no tempo do Brasil colônia e do Brasil monarquia, restam uns mil negros.
São todos das pequenas nações do interior da África, pertencem ao igesá, oié, ebá, aboum, haussá, itaqua, ou se consideram filhos dos ibouam, ixáu dos gêge e dos cambindas.
Alguns ricos mandam a descendência brasileira à África para estudar a religião, outros deixam como dote aos filhos cruzados daqui os mistérios e as feitiçarias.
Todos, porém, falam entre si um idioma comum: - o eubá.
Antônio, que estudou em Lagos, dizia:
- O eubá (ioruba) para os africanos é como o inglês para os povos civilizados. Quem fala o eubá
pode atravessar a África e viver entre os pretos do Rio.
Só os cabindas ignoram o eubá, mas esses ignoram até a própria língua, que é muito difícil.
Quando os cabindas falam, misturam todas as línguas...
Agora os orixás e os alufás só falam o eubá.

João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio
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