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sábado, 5 de maio de 2012

Conhecimento do Ritual, Treinamento e Experiência

Ritual Ioruba - interpretes, espetáculo, desempenho

No ritual ioruba, as pessoas participam com diferentes graduações de conhecimento, esforço e compreensão. No texto, a autora afirma que não deu a mesma atenção a todos os participantes. Interessou-se especificamente na pratica adquirida pelos "peritos" (iniciados ha bastante tempo) - naqueles que concebem, nos seus principais intérpretes, e nos diretores do ritual, a quem outros participantes se juntam. A palavra ioruba para o especialista no ritual é alawo ou simplesmente awo, significando, aquele que possui um conhecimento e sabedoria (awo) esotérico especializado. O conceito da palavra awo tem sido frequentemente trivializado como "segredo" na literatura especializada da cultura religiosa ioruba. Apesar dos iorubas utilizarem esse termo genericamente nesse sentido, ele implica em níveis mais profundo de significado em relação ao ritual. Assim sendo, o oposto de awo é ogberi, o ingênuo e não iniciado, ou ologberi, “aquele que possui uma perspectiva (visão) ingênua". Essa palavra é muito utilizada pelos alawo ou omo awo, para designar os aprendizes que estão se especializando no conhecimento ritual," para referir-se àqueles que não receberam treinamento e portanto ainda não adquiriram suficiente destreza e conhecimento. A maior parte do ritual ioruba inclui de algum jeito a narrativa. Em muitas delas excedem os especialistas.
A distinção que os iorubas dão aos à experiência dos especialistas em relação aos iniciantes, significa na maioria das vezes que o ritual é exclusivo. Não apenas isso, nem todos têm acesso a tudo. Também se fazem restrições a alguns iniciados para assistirem algumas partes do ritual. De fato essas restrições provavelmente levaram ao sentido errôneo da palavra awo traduzida como segredo. A ideia de secreto não é aleatória, pois existe a preocupação de que o conhecimento do ritual, em determinadas mãos, possa levar ao perigo. E porque o temor? Pelo motivo de que a ação está ligada ao poder. Isso é verdadeiro tanto do ponto de vista dos iorubas quanto pelo prisma teórico das sociologias contemporâneas.
Adquirir técnicas para produzir a ação ritual é em grande parte um exercício de memorização que solicita empenho no esforço e na concentração. Ositola descreveu para a autora como seu avô lhe fazia ficar horas a fio sentado atentamente para estudar os textos orais de adivinhação e o processo da ação ritual. Para adquirir essas técnicas - em outras palavras, para entender como se adquire algo, principalmente se pode ser obtido facilmente - levando a maus usos ou abusos, caso não se compreendam os valores éticos que operam por trás desse conhecimento, Isso pode tornar-se perigoso principalmente nos rituais celebrados para operar mudanças, como nos ritos de passagem, adivinhação, e cura. Do mesmo modo que a ação ritual está relacionada ao poder, ela também pode favorecer aqueles capazes de usa-lo.
Os peritos aprendem seu oficio com permanente confronto com o processo ritual, perseverança, e pela contemplação da sabedoria ritualística. Se não fosse assim, qualquer um poderia torna-se um perito lendo um manual ou bisbilhotando a ação.
Porém as aparências podem iludir os inexperientes. O que distingue os peritos no ritual entre si e dos charlatães é o seu papel específico no ritual, frequentemente herdado e para o qual foram designados e educados. O principal aqui é a obtenção da experiência desse tipo de poder transformador, razão pela qual Kolawole Ositola lembra frequentemente que "não se pode aprender tudo em um só dia", em resposta ao persistente questionamento de Drewal.
O fato é que, ninguém pode testemunhar a celebração ritual por completo, nem mesmo os próprios peritos (velhos iniciados). Isso vale não apenas por causa da simultaneidade com que são celebradas algumas partes do ritual, mas também devido à ação simultânea do ritual como um todo. Muitas celebrações rituais são tão privativas nos seus vários níveis que a única realidade que os participantes têm acesso, incluindo os próprios participantes, já está saturada por velhas formulas repetitivas. Caso fosse possível observar cada novo aspecto do ritual em primeira mão, ou de algum outro tipo de celebração, a autora afirma que teria observado indubitavelmente muito mais do que qualquer outro participante.
Esse tipo de experiência fragmentada - e diferente para cada um - significa ao mesmo tempo em que mesmo construindo-se uma descrição narrativa do que acontece num ritual de certa forma falha desde que ninguém poderá jamais observar o ritual em sua totalidade. Ao mesmo tempo, cada participante tem alguma concepção particular do todo e de sua sequencia performática. E ninguém parece importar-se com isso. Caso a situação aconteça de fato daquela ou outra forma, não é questão relevante para a narrativa. O relato pessoal acaba sendo usado, não havendo duas concepções exatamente iguais para descrever o ritual.
Cada participante possui o seu próprio acumulo de porções de cultura. E essas porções são moldadas por vários fatores - motivos e interesses individuais, seus níveis de conhecimento, sua relação consigo mesmo, a formalidade de seus papéis no ritual, e ao seu acesso ás várias partes. O que molda a experiência completa para os participantes e no caso para a autora também, é a combinação das diferentes interações e representações, sejam de primeira mão ou baseadas em boatos. A experiência vivida de forma incompleta acaba por engendrar a criatividade, pela maneira com que cada indivíduo constrói o sentido do todo. Desta forma, o conhecimento de cada ritual celebrado vem igualmente da experimentação da sua performance, ou daquilo que Ladislav Holy e Milan Stuchlik chamam de representações da realidade social. Além do fato de que as representações constituem realidade sociológica, a distinção não é menos importante para a compreensão do ritual. Em outras palavras, a discussão sobre o ritual é tão importante quanto aquilo que as pessoas de fato realizam.

Yoruba Ritual

Este livro de Margaret Drewal é um mergulho para dentro â da liberdade do ritual ioruba, o poder de improvisação de seus intérpretes, e o desejo de seus participantes em alternar as possibilidades de entretenimento. Suas implicações são diretas na diáspora americana, devido à presença desses artifícios, que constituíram a chave para a sua adaptação em novos ambientes, base fundamental para aquilo que Stuart Hall chamou de â estética da diáspora.

African Diaspora Program,
De Paul University

Margaret Thompson Drewal

Margaret Thompson Drewal é uma teórica das artes performáticas, historiadora de dança, e etnógrafa. Ela estudou os rituais iorubas da África ocidental e afro-brasileiros. Além de danças populares norte-americanas e entretenimentos da virada do século XIX, incluindo espetáculos apresentados nas primeiras Exposições Internacionais. Drewal possui especial interesse na poética e política do discurso performático. Ela também teve experiência profissional como bailarina e coreógrafa.