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sexta-feira, 4 de maio de 2012

Dramaturgia

Ritual ioruba - interpretes, espetáculo, desempenho

Drewal conta que um conhecido dela chegou esbaforido na casa de um amigo dizendo: “Hoje fiz um policial trabalhar! Ele me parou no seu posto de trabalho pedindo para examinar todos os meus documentos - carteira de motorista, registro do automóvel, seguro, e assim por diante". Brincando com a situação, meu conhecido avisou ao policial que ele teria muito trabalho para fazer funcionar o carro novamente se lhe pedisse para desligar o motor. Sem dar atenção, o policial insistiu para que eu parasse o carro e saísse. Uma vez de volta ao carro meu conhecido fez de conta que o carro não ia pegar. O policial sentiu-se na obrigação de ajudá-lo, coisa que o meu conhecido já havia percebido ao tramar o ardil. Como o policial não estava de carro teve que fazer esforço para ajudar a empurrar para que o motor "pegasse no tranco". Ele empurrou o veículo por trinta minutos até que o meu conhecido decidisse ligar o motor. Agradecendo o policial pela ajuda, ele pegou a estrada. Ao contar esse incidente para Drewal, Kolawole Ositola comentou: "Você sabe como são os iorubas!" O fato de "ser ioruba" trazia em si a ideia implícita de ardil e de esperteza.
Esse exemplo não é nada atípico entre os ardis e truques dos iorubas. Situações ardilosas como essas são comuns tanto nas artes verbais como na vida cotidiana. Na versão popular das histórias sobre a divindade travessa dos iorubas, Exu/Elegba transforma velhos amigos em inimigos, incendeia casas de cidadãos reduzindo-as a ruinas, e, fingindo que vai proteger os bens das pessoas contra o fogo, presenteia-os aos que passam por ele. Situações semelhantes são constantes em relação ao seu equivalente brasileiro Exu. Victor Turner visualiza Exu como um intruso em potencial que entra de surpresa nos rituais de Umbanda como uma manifestação do perigo de confundir. O perigo aqui é o de desestabilizar o ritual, atirando-o numa situação de ambiguidade. Ao mesmo tempo cria oportunidades para modificações.
Mas a verdadeira noção de desestabilização (quebra de sintonia) pressupõe uma "sintonia" para "quebrar", uma metáfora espacial para o tempo no entender de Erving Goffman.
O inesperado "travesso" postado nas encruzilhadas, tanto na Nigéria quanto no Brasil, é um símbolo da eficácia da peça (no sentido de pregar peças e de peça teatral), e as narrativas que enfocam Exu são modelos de e para suas praticas.
O que é significativo é que atuar numa situação significa intervir - transformá-la. Quando o policial fez com que o motor do carro fosse desligado, não tinha ideia do trabalho que isso iria lhe causar. Ele interfeririu contra o motorista, mas o motorista revidou, virando a situação contra ele e tirando prazer disso.
As encenações iorubas nem sempre envolvem situações ardilosas. No contexto iorubano, brincar também compreende passar tempo com as pessoas e para si (lazer), travando competições de habilidades verbais/ ou físicas, enfrentando táticas para desorientar e ser desorientado, para surpreender e ser surpreendido, para chocar o ser chocado, e para rir juntos - e obter prazer.
Pessoas que não sabem brincar serão pegas de surpresa porque a brincadeira irá continuar sem a sua percepção. Os ocidentais, por exemplo, não são conhecidos pela sua habilidade em brincar. Por esse motivo, há um ditado entre os iorubas que diz: “você sempre pode fazer um homem branco de bobo." Ou literalmente, você pode facilmente" circuncidar o homem branco" sem que ele perceba (d´ako fun oyinbo). Atitudes como estas certamente não conseguiram subverter o colonialismo, mas puderam sabotar ocasionalmente o colonizador.
A brincadeira tem por natureza o sentido tático. Também mostra como os indivíduos agem e manipulam situações. Travar brincadeiras competitivas, é um teste, é testar o indivíduo. Pela perspicácia com que os iorubas observam o comportamento humano, eles também têm a consciência da importância de expor os seus oponentes aos perigos que temem ser expostos. A preocupação dos iorubas com as aparências expressa-se em sua consciência aguçada de oju aye, "os olhos do mundo". As implicações em testar o modo de agir dos indivíduos transcende qualquer noção de uma situação limitada. Brincar no sentido que os iorubas conhecem é uma exploração interativa interiorizada, (ori inu) dos jogadores, uma estratégia criativa e envolvente que se desenvolve para testar seu oponente. A experiência que se ganha nesse tipo de brincadeira aplica-se para qualquer situação na vida.

Yoruba Ritual

Este livro de Margaret Drewal é um mergulho para dentro â da liberdade do ritual ioruba, o poder de improvisação de seus intérpretes, e o desejo de seus participantes de alternar as possibilidades de entretenimento. Suas implicações são diretas na diáspora americana, devido à presença desses artifícios, que constituíram a chave para a sua adaptação em novos ambientes, base fundamental para aquilo que Stuart Hall chamou de â estética da diáspora.

Ivor L. Miller
African Diaspora Program,
De Paul University
http://afrocubaweb.com/ivormiller/IvorIntro.pdf

Margaret Thompson Drewal

Margaret Thompson Drewal é uma teórica das artes performáticas, historiadora de dança, e etnógrafa. Ela estudou os rituais iorubas da África ocidental e afro-brasileiros. Além de danças populares norte-americanas e entretenimentos da virada do século XIX, incluindo espetáculos apresentados nas primeiras Exposições Internacionais. Drewal possui especial interesse na poética e política do discurso performático. Ela também teve experiência profissional como bailarina e coreógrafa.

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