No mundo dos feitiços - As Iauô
Fazer-santo é colocar-se sobre o patrocínio de um fetiche
qualquer, é ser batizado por ele, e por espontânea vontade dele.
As negras, insensíveis a quase todas as delicadezas que
produzem ataques na haute-gomme (“sociedade elegante”), são, entretanto, de uma
impressionabilidade mórbida por tudo quanto é abusão.
Da convivência com os maiores nesse horizonte de chumbo, de atmosfera de feitiçarias e pavores, nasce-lhes a necessidade iniludível de fazer também o santo; e não é possível demovê-las, umas porque a miragem da felicidade as cega, outras porque já estão votadas à loucura e ao alcoolismo.
Da convivência com os maiores nesse horizonte de chumbo, de atmosfera de feitiçarias e pavores, nasce-lhes a necessidade iniludível de fazer também o santo; e não é possível demovê-las, umas porque a miragem da felicidade as cega, outras porque já estão votadas à loucura e ao alcoolismo.
Entre as tribos do interior da África, há o sacrifício do
agamum, em que se esmagam vivas as crianças de seis meses.
Ao Moloch das vesânias (Deus das loucas) a raça preta
sacrifica aqui uma quantidade assustadora de homens e de mulheres.
Antônio, que me mostrara a maior parte das casas-de-santo,
disse-me um dia:
- Vou levá-lo hoje a ver o 16.º dia de uma iauô.
Para que uma mulher saiba a vinda do santo, basta encontrar
na rua um fetiche qualquer,
pedra, pedaço de ferro ou concha do mar. De tal maneira
estão sugestionadas, que vão logo
aos babalaôs indagar do futuro. Os babalaôs, a troco de
dinheiro, jogam o edilogum, os búzios,
e servem-se também por aproximação dos signos do zodíaco.
- O mês do Capricórnio - diz Antônio - compreende todos os
animais parecidos, a cabra, o carneiro, o cabrito, e segundo o cálculo do dia e
o animal preferido pelo santo, os matemáticos descobrem quem é.
Quando já sabe o santo, babalaô atira a sorte no obelê para
perguntar se é de dever fazê-lo.
A natureza mesmo do culto, a necessidade de conservar as
cerimônias e a avidez de ganho da própria indolência fazem o sábio obter uma
resposta afirmativa.
Algumas criaturas paupérrimas batem então nas faces e pedem:
- Eu quero ter o santo assentado!
É mais fácil. Os pais-de-santo dão-lhe ervas, uma pedra bem
lavada, em que está o santo, um rosário de contas que se usa no pescoço depois
de purificado o corpo por um banho.
Nessas ocasiões o vadio invisível contenta-se com o ebó,
despacho, algumas comedorias com azeite-de-dendê, ervas e sangue, deixadas na
encruzilhada dos caminhos.
Quase sempre, porém, as vitimas sujeitam-se, e não é raro,
mesmo quando são pobres os pais, a aceitarem o trabalho com a condição de as
vender em leilão ou serem servidos por elas durante longo tempo.
Como as despesas são grandes, as futuras iauô levam meses
fazendo economias, poupando, sacrificando-se.
É de obrigação levar comidas, presentes, dinheiro ao
pai-de-santo para a sua estada no ylê ache-ó-ylê-orixá, estada que regula de 12
a 30 dias.
Texto
João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio
Domínio Público - Biblioteca Virtual de Literatura
Sobre o autor
João do Rio
Sobre a foto
José Medeiros
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