Seguidores

terça-feira, 15 de maio de 2012

Fazer santo

As Religiões no Rio - João do Rio
No mundo dos feitiços - As Iauô

Fazer-santo é colocar-se sobre o patrocínio de um fetiche qualquer, é ser batizado por ele, e por espontânea vontade dele.
As negras, insensíveis a quase todas as delicadezas que produzem ataques na haute-gomme (“sociedade elegante”), são, entretanto, de uma impressionabilidade mórbida por tudo quanto é abusão. 
Da convivência com os maiores nesse horizonte de chumbo, de atmosfera de feitiçarias e pavores, nasce-lhes a necessidade iniludível de fazer também o santo; e não é possível demovê-las, umas porque a miragem da felicidade as cega, outras porque já estão votadas à loucura e ao alcoolismo.
Entre as tribos do interior da África, há o sacrifício do agamum, em que se esmagam vivas as crianças de seis meses.
Ao Moloch das vesânias (Deus das loucas) a raça preta sacrifica aqui uma quantidade assustadora de homens e de mulheres.
Antônio, que me mostrara a maior parte das casas-de-santo, disse-me um dia:
- Vou levá-lo hoje a ver o 16.º dia de uma iauô.
Para que uma mulher saiba a vinda do santo, basta encontrar na rua um fetiche qualquer,
pedra, pedaço de ferro ou concha do mar. De tal maneira estão sugestionadas, que vão logo
aos babalaôs indagar do futuro. Os babalaôs, a troco de dinheiro, jogam o edilogum, os búzios,
e servem-se também por aproximação dos signos do zodíaco.
- O mês do Capricórnio - diz Antônio - compreende todos os animais parecidos, a cabra, o carneiro, o cabrito, e segundo o cálculo do dia e o animal preferido pelo santo, os matemáticos descobrem quem é.
Quando já sabe o santo, babalaô atira a sorte no obelê para perguntar se é de dever fazê-lo.
A natureza mesmo do culto, a necessidade de conservar as cerimônias e a avidez de ganho da própria indolência fazem o sábio obter uma resposta afirmativa.
Algumas criaturas paupérrimas batem então nas faces e pedem:
- Eu quero ter o santo assentado!
É mais fácil. Os pais-de-santo dão-lhe ervas, uma pedra bem lavada, em que está o santo, um rosário de contas que se usa no pescoço depois de purificado o corpo por um banho.
Nessas ocasiões o vadio invisível contenta-se com o ebó, despacho, algumas comedorias com azeite-de-dendê, ervas e sangue, deixadas na encruzilhada dos caminhos.
Quase sempre, porém, as vitimas sujeitam-se, e não é raro, mesmo quando são pobres os pais, a aceitarem o trabalho com a condição de as vender em leilão ou serem servidos por elas durante longo tempo.
Como as despesas são grandes, as futuras iauô levam meses fazendo economias, poupando, sacrificando-se.
É de obrigação levar comidas, presentes, dinheiro ao pai-de-santo para a sua estada no ylê ache-ó-ylê-orixá, estada que regula de 12 a 30 dias.

Texto
João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio
Domínio Público - Biblioteca Virtual de Literatura

Sobre o autor
João do Rio
Sobre a foto
José Medeiros