No mundo dos feitiços - Os feiticeiros
É natural que para corresponder à hierarquia celeste seja
necessária uma hierarquia eclesiástica. As criaturas vivem em poder do
invisível e só quem tem estudos e preparo pode saber o que os santos querem.
Há por isso grande quantidade de autoridades religiosas. Às
vezes encontramos nas ruas negros retintos que mastigam sem cessar.
São babalaôs, matemáticos geniais, sabedores dos segredos
santos e do futuro da gente; são babás que atiram o endilogum; são babaloxás, pais-de-santo
veneráveis.
Nos lanhos da cara puseram o pó da salvação e na boca tem
sempre o obi, noz de cola, boa para o estômago e asseguradora das pragas.
Antônio, que conversava dos progressos da magia na África,
disse-me um dia que era como Renan e Shakespeare: vivia na dúvida. Isso não o
impedia de acreditar nas pragas e no trabalhão que os santos africanos dão.
- V. s. não imagina! Santo tem a festa anual, aparece de
repente à pessoa em que se quer meter e esta é obrigada logo a fazer festa;
santo comparece ao juramento das Iauô e passa fora, do Carnaval à Semana Santa;
e logo quer mais festa... Só descansa mesmo de fevereiro a abril.
- Estão veraneando.
- No carnaval os negros fazem ebó.
- Que vem a ser ebó?
- Ebó é despacho. Os santos vão todos para o campo e ficam
lá descansando.
- Talvez estejam em Petrópolis.
- Não. Santo deixa a cidade pelo mato, está mesmo entre as
ervas.
- Mas quais são os cargos religiosos?
- Há os babalaôs, os açoba, os aboré, grau máximo, as
mães-pequenas, os ogan, as agibonam...
A lista é como a dos santos, muito comprida, e cada um desses
personagens representa papel distinto nos sacrifícios, nos candomblés e nas
feitiçarias. Antônio mostra-me os mais notáveis, os pais-de-santo: Oluou,
Eruosaim, Alamijo, Adé-Oié, os babalaôs Emídio, Oloô-teté, que significa
treme-treme, e um bando de feiticeiros: Torquato Requipá ou Fogo Pára-chuva,
Obitaiô, Vagô, Apotijá, Veridiana, Crioula Capitão, Rosenda, Nosuanan, a
célebre Chica de Vavá, que um político economista protege...
João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio,
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