Seguidores

quarta-feira, 23 de maio de 2012

O Espiritismo entre os Sinceros

As Religiões no Rio - João do Rio

A Federação fica na rua do Rosário, 97.
É um grande prédio, cheio de luz e de claridade.
Cumprem-se aí os preceitos da ortodoxia espírita; não há remuneração de trabalho e nada se recebe pelas consultas.
A diretoria gasta parte do dia a servir os irmãos, tratando da contabilidade, da biblioteca, do jornal, dos doentes.
A instalação é magnífica.
No primeiro pavimento ficam a biblioteca, a sala de entrega do receituário, a secretaria, o salão de espera dos consultantes e os consultórios. Seis mediuns psicográficos prestam-se duas horas por dia a receitar, e as salas conservam-se sempre cheias de uma multidão de doentes, mulheres, homens, crianças, figuras dolorosas com um laivo de esperança no olhar.
A casa está sonora do rumor contínuo, mas tudo é simples, caridoso e sem espalhafato.
Quando entramos não se lhe altera a vida nervosa.
A Federação parece um banco de caridade, instalado à beira do outro mundo. Os homens agitam-se, andam, conversam, os doentes esperam que os espíritas venham receitar pelo braço dos mediuns, sob a ação psicográfica, falam e conversam enquanto o braço escreve.

...

A Federação parece um banco de caridade, instalado à beira do outro mundo.
Os homens agitam-se, andam, conversam, os doentes esperam que os espíritas venham receitar pelo braço dos mediuns, sob a ação psicográfica, falam e conversam enquanto o braço escreve.
Atravessamos a sala dos clientes, entramos no consultório do Sr. Richard.
Há, uma hora que esse honrado cavalheiro, espírita convencido, escreve e já receitou para quarenta e sete pessoas.
- Há curas? - perguntamos nós, olhando as fileiras de doentes.
- Muitas. Nós, porém, não tomamos nota.
- Mas o senhor não se lembra de ter curado ninguém?
- A mim me dizem que pus boa uma pessoa da família do general Argolo.
Mas não sei nem devo dizer. É o preceito de Deus.
Deixamo-lo receitando, já perfeitamente normalizados com aquele ambiente estranho, e interrogamos.
Há milhares de curas.

...
No segundo pavimento, encontramos desenhos de homens ignorantes inspirados pelos grandes pintores. Rafael guia a mão de operários em movimentados quadros de batalhas, e outros pintores mortos, sob incógnito, fazem desenhos extraordinários por intermédio de maquinistas da Armada...
Essas coisas nos eram explicadas simplesmente, como se tratássemos de coisas naturais.
- Quando há sessão? - perguntou o nosso amigo.
- Hoje, às 7 horas. Podem ver, é a sessão de estudo.
Nós ainda olhamos fotografias de espíritos, o retrato de D. Romualdo, um sacerdote que de além-túmulo vem sempre visitar a Federação, e esperamos a sessão de estudo, atraídos, querendo ver, querendo ter a doce paz daqueles entes.
A sessão começou às 7½, na sala do 2.º andar, toda mobiliada de canela cirée com frisos de ouro.
Nas cadeiras, cavalheiros de sobrecasaca, senhoras, demoiselles.
Os bicos Auer acesos banhavam de luz clara toda a sala, e pelas janelas abertas ouviam-se na rua o estalar de chicotes e gritos de cocheiros.
Sem as visitas do irmão Samuel, ninguém diria uma sessão espírita.
Depois de lida e aprovada a ata da sessão anterior, como na Câmara dos Deputados, Leopoldo Cirne, o presidente, que ao começo nos dissera um adeusinho, perfeitamente mundano, transfigura-se e a sua voz toma suavidades inéditas.
- Concentremo-nos, irmãos!
Imediatamente todos fechamos os olhos, como querendo concentrar o pensamento numa única idéia. As senhoras tapam o rosto com o leque e têm os olhos cerrados.
De repente, como movida por todas aquelas vontades, a mão do psicógrafo cai, apanha o papel, o lápis, e escreve rapidamente linhas adelgadas.
No silêncio ouve-se o lápis roçando o papel de leve; e é nesse silêncio que o lápis pára, o medium esfrega os olhos e começa a leitura da comunicação.
- "Paz! Irmãos. Deus seja convosco. As palavras do filósofo grego: conhece-te a ti mesmo...
É Samuel o espírito que fala, achando que para compreender a vida e o bem é necessário antes de tudo conhecermo-nos a nós mesmos.
...
- Terminamos o nosso estudo.
Não há mais quem queira falar?
Leopoldo Cirne ergueu a loira cabeça de Salvador, fixando os olhos na minha pobre pessoa.
Era a atração do abismo, uma explicação indireta, feita como quem, muito cansado da travessia por mundos ignorados, viesse a conversar à beira da estrada com o viandante descrente.
"O Espiritismo, fez ele, ou revelação dos espíritos, sistematizada em doutrina por Allan Kardec, que recolheu os seus ensinos acerca do universo e da vida e das leis que os regem, e com os quais formou as obras ditas fundamentais:
O Livro dos Espíritos - O Livro dos médiuns - O Céu e o Inferno - A Gênese - O Evangelho segundo o Espiritismo, reúne o tríplice aspecto de ciência, filosofia e moral ou religião.
Como ciência de observação, estuda, não somente os fenômenos espíritas, desde os mais simples, como os ruídos e perturbações (casas mal-assombradas) e os efeitos físicos (deslocação de objetos sem contato) etc., até os mais transcendentes, como as materializações de espíritos (observações de Crookes, Aksakoff, Zoellner, Dr. Gibier etc.), como também todos os fenômenos da natureza, investigando a gênese de todos os seres, numa vasta síntese, e neles buscando a origem do princípio espiritual, dos estados mais rudimentares aos mais complexos pois que um germe, um esboço dessa natureza parece constituir a essência de toda forma.

João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio,
Domínio Público - Biblioteca Virtual de Literatura
Sobre o autor