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quarta-feira, 2 de maio de 2012

O Samba de Caboclo no Rio de Janeiro

Possuindo características peculiares dos grandes centros urbanos, a cidade do Rio de janeiro congrega o Brasil e suas influências culturais diversificadas que aqui passam por processos de adequação, continuando, no entanto, a manter os valores mais importantes que norteiam as manifestações da cultura popular.
O Samba de Caboclo, aliado ao culto dos Encantados, é estabelecido em muitos pontos do Estado do Rio e a Cidade do Rio reúne, nos muitos terreiros de cultos afro-brasileiros, adeptos e crentes que vivificam nas danças e nos cânticos dos Caboclos a fé e o divertimento.
O presente trabalho que aborda o Samba de caboclo, suas implicações sócio religiosas, lúdicas, aspectos etnográficos e outros temas, tem nos informantes da pesquisa importante fonte de elementos, que servem para ampliar as incursões feitas nos trabalhos de campo, contatos diretos com as manifestações, analisando, registrando e fixando nesse caderno, os subsídios recolhidos dentro de normas rígidas e preestabelecidas.
Muitas foram as formas de pesquisa; relacionamos dois cultores do Samba de caboclo no Rio, que mantêm, dentro dos valores originais, o culto e a diversão unidas pelo espírito religioso.
Antonio dos Santos Ferreira, o Babalú e Joel Lurenço do Espírito Santo.

Antonio dos Santos Ferreira- o Babalú se diz neto de africano e índio, daí o seu forte vínculo com os preceitos dos Encantados. Ha 25 anos desfila no Afoxé - Filhos de Gandhi, no Rio, desempenhando o papel de um índio.

Antonio Ferreira - ou como prefere Babalu, é baiano nascido em 1923, e radicado no Rio, onde desenvolve seus cultos aos Caboclos, sendo conhecedor dos enredos e práticas pertinentes às linhas ou tribos dos Encantados. Babalu é de Oxosse Mutaquilombo e possui o Caboclo Boiadeiro. Foi no terreiro de Ciríaco, ritual Angola, que Babalu manteve seus primeiros contatos com o Candomblé e os rituais de Caboclo, incluindo ensinamentos sobre as danças e cantigas dos Sambas. Citou as casas Angola e Moxicongo como principais redutos dos Caboclos, ampliando os cultos que, no início, tiveram forte resistência, pois os terreiros africanistas não permitiam a penetração de novas divindades e chamavam de Angolão, os Candomblés que se dispunham a festejar os Caboclos.
Babalu situa alguns Caboclos que considera de grande importância. O índio com que ele desfila no Afoxé é incluído na Tribo de Tapajós, citando, ainda as tribos Marajós e Camutuã. Campina Grande, Seu Caipira, Seu Caipó, Seu Caipina, são Caboclos de grande preceito na concepção do informante.
Para sair no Carnaval do Rio, dentro dos rigores do afoxé, Babalu realiza rituais onde procura obsequiar de Exu a oxalá, sacrificando caprinos, aves e oferecendo comidas próprias da culinária dos deuses.
As frutas, em especial a abóbora moranga, são dedicadas aos caboclos juntamente com o oferecimento de vinho, cachaça e aluá.
Sobre as bebidas de Caboclos, podemos constatar enorme variedade, quando algumas ervas são colocadas com cachaça, mel e outros ingredientes. Os aluás (espécie de refresco), feitos de milho, abacaxi e mandioca crua ralada e posta em fermentação num pote de barro, podem ser servidos nos preceitos dos Caboclos. A meladinha, feita com cachaça e mel, o cauim, preparado com mel, cachaça, rapadura e urucum ralado, são de grande agrado dos capangueiros e caboclos de pena.
A Jurema é outra importante bebida dedicada aos Encantados das matas. Utilizando a folha ou a entrecasca da juremeira, cachaça e mel, colocados num pote de barro, a Jurema está pronta para ser servida aos Caboclos em suas cerimônias.
As folhas de angico, cipó-caboclo, cipó-cravo, milomes e dandá são utilizados em outras bebidas onde o mel e a cachaça são elementos indispensáveis.
Todo esse conjunto de bebidas, incluindo algumas industrializadas como os vinhos, serve para animar as rodas de Samba de Caboclos.
Para a abertura das cerimônias alguns ritos são necessários. O oferecimento da abóbora-moranga contendo mel pode substituir o Padê de Exu; observando-se que a entrega da farofa é sempre realizada.
O forte relacionamento dos Caboclos e Ossãe é muito grande, pois vasta tradição oral relata os feitos da protetora das matas e dos seus habitantes, Os Caboclos.
O informante amplia suas focalizações relatando uma série de ervas comuns na preparação de sucos especiais utilizados nas práticas de Caboclo. A aroeira, maravilha, magnólia, dama-da-noite, cipó-caboclo, corama, joatinga, guiné e arruda, servem para desempenhar as funções mágicas necessárias aos cultos dos encantados.
Segundo o Babalu, a realização do Zamburá é de grande preceito, pois os Caboclos vão se pronunciar dando aos seus adeptos condições de melhor realizar suas práticas.
Nas feituras do Aluandê e Aguntá, no Arutá, os ritos são mantidos e os valores são respeitados nos princípios dos Encantados, mantendo, assim, a sobrevivência das cerimônias, dos Caboclos e seus sambas.

por Raul Giovanni da Motta Lody
Publicado em 1977, Ministério da Educação e Cultura, Departamento de Assuntos Culturais, Fundação Nacional de Arte, Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (Rio, RJ).

Raul Geovanni da Motta Lody (Rio de Janeiro, 1952), é um antropólogo, museólogo e professor brasileiro, responsável por vários estudos na área das religiões afro-brasileiras, sobretudo na Bahia.
Suas principais pesquisas antropológicas e etnológicas resultaram na publicação do Dicionário de Arte Sacra e Técnicas Afro-Brasileiras.