O Samba de Caboclo, aliado ao culto dos Encantados, é
estabelecido em muitos pontos do Estado do Rio e a Cidade do Rio reúne, nos
muitos terreiros de cultos afro-brasileiros, adeptos e crentes que vivificam
nas danças e nos cânticos dos Caboclos a fé e o divertimento.
O presente trabalho que aborda o Samba de caboclo, suas
implicações sócio religiosas, lúdicas, aspectos etnográficos e outros temas,
tem nos informantes da pesquisa importante fonte de elementos, que servem para
ampliar as incursões feitas nos trabalhos de campo, contatos diretos com as manifestações,
analisando, registrando e fixando nesse caderno, os subsídios recolhidos dentro
de normas rígidas e preestabelecidas.
Muitas foram as formas de pesquisa; relacionamos dois
cultores do Samba de caboclo no Rio, que mantêm, dentro dos valores originais,
o culto e a diversão unidas pelo espírito religioso.
Antonio dos Santos Ferreira, o Babalú e Joel Lurenço do
Espírito Santo.
Antonio dos Santos Ferreira- o Babalú se diz neto de
africano e índio, daí o seu forte vínculo com os preceitos dos Encantados. Ha
25 anos desfila no Afoxé - Filhos de Gandhi, no Rio, desempenhando o papel de
um índio.
Antonio Ferreira - ou como prefere Babalu, é baiano nascido
em 1923, e radicado no Rio, onde desenvolve seus cultos aos Caboclos, sendo
conhecedor dos enredos e práticas pertinentes às linhas ou tribos dos
Encantados. Babalu é de Oxosse Mutaquilombo e possui o Caboclo Boiadeiro. Foi
no terreiro de Ciríaco, ritual Angola, que Babalu manteve seus primeiros
contatos com o Candomblé e os rituais de Caboclo, incluindo ensinamentos sobre
as danças e cantigas dos Sambas. Citou as casas Angola e Moxicongo como principais
redutos dos Caboclos, ampliando os cultos que, no início, tiveram forte
resistência, pois os terreiros africanistas não permitiam a penetração de novas
divindades e chamavam de Angolão, os Candomblés que se dispunham a festejar os
Caboclos.
Babalu situa alguns Caboclos que considera de grande
importância. O índio com que ele desfila no Afoxé é incluído na Tribo de
Tapajós, citando, ainda as tribos Marajós e Camutuã. Campina Grande, Seu
Caipira, Seu Caipó, Seu Caipina, são Caboclos de grande preceito na concepção
do informante.
Para sair no Carnaval do Rio, dentro dos rigores do afoxé,
Babalu realiza rituais onde procura obsequiar de Exu a oxalá, sacrificando
caprinos, aves e oferecendo comidas próprias da culinária dos deuses.
As frutas, em especial a abóbora moranga, são dedicadas aos
caboclos juntamente com o oferecimento de vinho, cachaça e aluá.
Sobre as bebidas de Caboclos, podemos constatar enorme
variedade, quando algumas ervas são colocadas com cachaça, mel e outros ingredientes.
Os aluás (espécie de refresco), feitos de milho, abacaxi e mandioca crua ralada
e posta em fermentação num pote de barro, podem ser servidos nos preceitos dos
Caboclos. A meladinha, feita com cachaça e mel, o cauim, preparado com mel,
cachaça, rapadura e urucum ralado, são de grande agrado dos capangueiros e
caboclos de pena.
A Jurema é outra importante bebida dedicada aos Encantados
das matas. Utilizando a folha ou a entrecasca da juremeira, cachaça e mel,
colocados num pote de barro, a Jurema está pronta para ser servida aos Caboclos
em suas cerimônias.
As folhas de angico, cipó-caboclo, cipó-cravo, milomes e
dandá são utilizados em outras bebidas onde o mel e a cachaça são elementos
indispensáveis.
Todo esse conjunto de bebidas, incluindo algumas
industrializadas como os vinhos, serve para animar as rodas de Samba de
Caboclos.
Para a abertura das cerimônias alguns ritos são necessários.
O oferecimento da abóbora-moranga contendo mel pode substituir o Padê de Exu;
observando-se que a entrega da farofa é sempre realizada.
O forte relacionamento dos Caboclos e Ossãe é muito grande,
pois vasta tradição oral relata os feitos da protetora das matas e dos seus
habitantes, Os Caboclos.
O informante amplia suas focalizações relatando uma série de
ervas comuns na preparação de sucos especiais utilizados nas práticas de
Caboclo. A aroeira, maravilha, magnólia, dama-da-noite, cipó-caboclo, corama,
joatinga, guiné e arruda, servem para desempenhar as funções mágicas
necessárias aos cultos dos encantados.
Segundo o Babalu, a realização do Zamburá é de grande
preceito, pois os Caboclos vão se pronunciar dando aos seus adeptos condições
de melhor realizar suas práticas.
Nas feituras do Aluandê e Aguntá, no Arutá, os ritos são
mantidos e os valores são respeitados nos princípios dos Encantados, mantendo,
assim, a sobrevivência das cerimônias, dos Caboclos e seus sambas.
por Raul Giovanni da Motta Lody
Publicado em 1977, Ministério da Educação e Cultura,
Departamento de Assuntos Culturais, Fundação Nacional de Arte, Campanha de
Defesa do Folclore Brasileiro (Rio, RJ).
Raul Geovanni da Motta Lody (Rio de Janeiro, 1952), é um
antropólogo, museólogo e professor brasileiro, responsável por vários estudos
na área das religiões afro-brasileiras, sobretudo na Bahia.
Suas principais pesquisas antropológicas e etnológicas
resultaram na publicação do Dicionário de Arte Sacra e Técnicas
Afro-Brasileiras.