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quarta-feira, 23 de maio de 2012

Os exorcismos

As Religiões no Rio - João do Rio

O Rio de Janeiro é uma tenda de feiticeiros brancos e negros, de religiões de animais, de pedras animadas, o rojar de um povo inteiro diante do amanhã, Spectre toujours mas qué qui nous suit cote a cote
Et qu'on nomme Demam...
Às cenas da missa-negra, dos satanistas, dos magos, é preciso juntar a missa vermelha, e os exorcismos.
- Mas nós estamos no século XX!
- Meu caro, o mundo não varia olhando o invisível.
Há sempre de um lado os espíritos bons, os anjos que se demonstram pela teurgia, e os espíritos maus, as larvas, os demônios, isto é, de um lado as teofanias, de outro as fúrias.
Ultimamente, porém, casos incríveis, lendas antiquíssimas deram para reaparecer.
Os agentes do Diabo, as sereias, os faunos, os gigantes, os tritões surgem de novo.
O João catraeiro, ali do cais dos Mineiros, já viu passeando na água uma dama de vermelho com homens de barbas verdes que riam e assobiavam...
Porque havemos de banir fatos? Eu, e dou-lhe como testemunha o Dr. Rafael Pinheiro e outras pessoas conhecidas, já tive uma doente que frei Piazza pôs boa.
A mulher delirava, tinha ataques formidáveis, eu tratava-a segundo Charcot.
Uma vez ela disse: eu tenho o diabo no corpo. Pois vá ao Castelo! Foi e ficou boa.
Era um médico que me dizia o assombro. Nesse mesmo dia subi ao Castelo.
Pelas pedras do morro iam homens carregando baldes de água; mulherios estendiam roupas na relva; embaixo, a cidade num vapor branco parecia uma miragem sob o chuveiro de luz.
Em torno do convento saltavam cabras.
Pendurei-me de um condão à porta carcomida, como um viajante medieval.
Muito tempo depois apareceu um frade italiano de barba negra.
- O Superior?
Abriu a porta, fez-me entrar para uma sala paupérrima, onde havia um altar com imagens grosseiras e paramentos de missa. Pelas paredes, ordens do arcebispo, tabelas dos dias de jejum.
Através das outras portas abertas viam-se salas abobadadas, onde as alpercatas sacerdotais punham um brando rumor de intimidade.
Dois minutos depois, frei Piazza aparecia. Muito jovial e muito simples.
Eu queria uma informação; ele dava-a.
Sempre que Deus lhe fazia a graça de poder ser útil, ficava contente.
A impressão desse homem, com os flocos de neve de sua barba escorrendo de uma face cheia de vitalidade, é a de um ser definitivamente certo de seu fim, a quem as injúrias, as intrigas, os elogios ou os males não atingem.
Viu-me um curioso mundano, impôs-me a sua crença com delicadeza.
- O senhor é jornalista! ah! os jornalistas!...
Se eles dissessem apenas o que vêm, seriam os melhores homens do universo...
Mas quase nunca dizem.
O príncipe de Crayemberg tinha um temor muito justo. Olhe o que ainda há pouco fizeram com a princesa russa.
Estávamos sentados num duro banco, diante de Deus e dos santos, como em poltronas confortáveis.
Ele tinha entre as barbas um sorriso de sutil ironia.
- Superior - confessei eu -, tenho nestes últimos tempos visto de perto os males do Diabo.
Disseram-me que frei Piazza exorcisma.
- Sim, filho, há alguns anos. Todas as sextas-feiras das 4 da manhã às 4 da tarde, trabalho sem descanso. Só no ano de 1903 exorcismei mais de 300 demoníacas.
Esses exorcismos são feitos de preferência na igreja, mas quando me chamam, vou também à casa dos pacientes. Satã mais do que nunca ameaça Deus.
Esse macaco do Divino, como diz o padre Goud, arrasta as criaturas para as profundas do inferno, que a ciência considera um centro de fogo no meio da terra, autor dos vulcões e do abalo das montanhas...
Ah! meu filho, é uma vida bem dura!
- O exorcismo é público?
- Nem sempre. O diabo pela boca dos possessos conta a vida de todos, injuria os presentes.
Não é conveniente.
Ficam alguns amigos que sejam sérios e piedosos.

João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio,
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