Além das cantigas comuns, cada linha ou tribo possui suas
melodias, e certos Caboclos têm músicas próprias que relatam seus feitos.
Alguns exemplos servirão para melhor mostrar as cantigas dos Caboclos:
Outras lendas relatam a vida dos Caboclos nas selvas. O
exemplo que passamos a observar mostra a presença da Cabocla Jurema, personagem
importante no panorama da mitologia afro-brasileira:
Com três dias de nascido
Minha mãe me abandonou
No sertão da mata virgem
Foi Jurema quem criou
Essas cantigas são entoadas quando oferecem a mesa da Jurema
em honra a todos os Caboclos:
Jurema ô Jurema Juremê
Ele é caboclo de pena
Quando vem da Jurema
Ele é caboclo de pena.
Jurema ê Juremá
Jurema ê Juremá
Jurema ê Juremá
Caboclo vem da Maingá
Tindorê aê cauiça
Tindorê meu sangue re´
Eu sou filho
Eu sou neto
da Jurema
Tindorê aê cauiça
Cauiça o cauiça
é Orixá
nas horas de Deus, amém
é Orixá
A cabocla jurema também está intimamente ligada aos cultos
aquáticos, em especial os rios, cacatos. A Jurema também chefia uma linha ou
tribo, reunindo uma quantidade de Caboclos sob seu comando.
por Raul Giovanni da Motta Lody
Publicado em 1977, Ministério da Educação e Cultura,
Departamento de Assuntos Culturais, Fundação Nacional de Arte, Campanha de
Defesa do Folclore Brasileiro (Rio, RJ).
Raul Geovanni da Motta Lody (Rio de Janeiro, 1952), é um
antropólogo, museólogo e professor brasileiro, responsável por vários estudos
na área das religiões afro-brasileiras, sobretudo na Bahia.
Suas principais pesquisas antropológicas e etnológicas
resultaram na publicação do Dicionário de Arte Sacra e Técnicas
Afro-Brasileiras.
Jurema-preta (Mimosa hostilis Benth.)
É uma árvore pertencente à família Fabaceae, da ordem das
Fabales típica da caatinga, ocorrendo praticamente em quase todo nordeste
brasileiro. Possui espinhos e apresenta bastante resistência às secas com
grande capacidade de rebrota durante todo o ano. Usada pelos índios da etnia
xucurus- Sua casca é usada tradicionalmente para fins medicinais e a casca de
sua raiz é a parte da planta usada nas cerimônias religiosas, pois possui maior
parte dos alcalóides psicoativos.
Apesar de bastante conhecida no Nordeste do Brasil ainda não
há um consenso sobre qual a classificação exata da planta popularmente
conhecida por Jurema. A Jurema (Acacia Jurema mart.) é uma das muitas espécies
das quais a Acacia [Acácia] é o gênero. Várias espécies de Acácia nativas do
nordeste brasileiro recebem o nome popular de Jurema.
Culto
O culto da Jurema está para a Paraíba, assim como o Iroko
está para a Bahia. Esta arvore tipicamente paraibana, apesar de existir também
em outros estados do nordeste, era venerada pelos índios potiguares e
tabajaras, muitos séculos antes da descoberta Brasil. Em Pernambuco, existe um
município cujo nome é Jurema devido a grande quantidade destas árvores que ali
se encontra. A jurema (mimosa hostilis) depois de crescida é uma frondosa
árvore que vive mais de 200 anos. Todas as partes dessa arvore são
aproveitadas: a raiz, a casca, as folhas e as sementes, utilizadas em banhos de
limpeza, infusões, unguentos, bebidas e para outros fins ritualísticos. Os
devotos iniciados nos rituais do culto são chamados de Juremeiros.
Jurema sagrada
Jurema sagrada como tradição "mágica" religiosa,
ainda é um assunto pouco estudado. É uma tradição nordestina que se iniciou com
o uso desta planta pelos indígenas da região norte e nordeste do Brasil, mas
que, atualmente possui influências as mais variadas, e que vão desde a
feitiçaria europeia até a pajelança, xamanismo indígena, passando pelas
religiões africanas, pelo catolicismo popular, e até mesmo pelo esoterismo
moderno, psicoterapia psicodélica e pelo cristianismo esotérico. No contexto do
sincretismo brasileiro afro-ameríndio, a presença ou não da jurema como
elemento sagrado do culto vem estabelecer a diferença principal entre as
práticas de umbanda e do catimbó.
Origens
A jurema sagrada é remanescente da tradição religiosa dos
índios que habitavam o litoral da Paraíba e dos seus pajés, grandes
conhecedores dos mistérios do além, plantas e dos animais. Depois da chegada
dos africanos no Brasil, quando estes fugiam dos engenhos onde estavam
escravizados, encontravam abrigo nas aldeias indígenas, e através desse
contato, os africanos trocavam o que tinham de conhecimento religioso em comum
com os índios. Pôr isso até hoje, os grandes mestres juremeiros conhecidos, são
sempre mestiços com sangue índio e negro. Os africanos contribuíram com o seu
conhecimento sobre o culto dos mortos eguns e das divindades da natureza os
orixás voduns e inkices. Os índios, estes contribuíram com o conhecimento de
invocações dos espíritos de antigos pajés e dos trabalhos realizados com os
encantados das matas e dos rios. Daí a jurema se compor de duas grandes linhas
de trabalho: a linha dos mestres de jurema e a linha dos encantados.